O Parlamento Europeu elaborou um conjunto detalhado de propostas com o objetivo de incentivar uma gestão mais responsável, equilibrada e eficiente dos recursos hídricos em toda a União Europeia. Estas medidas surgem como resposta à intensificação de diversos problemas que afetam a água no continente, nomeadamente a escassez crescente, os elevados níveis de poluição e os efeitos cada vez mais visíveis das alterações climáticas sobre os sistemas hídricos.
Perante este cenário de crescente pressão sobre os ecossistemas aquáticos e sobre o acesso da população a água de qualidade, os eurodeputados aprovaram, no mês de maio de 2025, um relatório que define as bases para a criação de uma Estratégia Europeia de Resiliência Hídrica. Este documento contém orientações e recomendações fundamentais para enfrentar os desafios atuais e futuros ligados à água. Está previsto que a Comissão Europeia apresente oficialmente esta nova estratégia durante o verão de 2025, marcando um passo significativo no compromisso da União com a sustentabilidade e a proteção dos recursos naturais.
Resiliência hídrica: o desafio central da União Europeia para o futuro da água
A água, recurso vital para o bem-estar das populações, o funcionamento equilibrado dos ecossistemas, o desenvolvimento da agricultura, a produção de energia e a garantia da segurança alimentar, está sujeita a níveis de pressão sem precedentes em grande parte do território europeu. A intensificação de fenómenos como secas prolongadas, maior variabilidade na precipitação e o aumento da procura por parte de diversos setores económicos contribuíram para uma situação cada vez mais preocupante. A escassez de água, que anteriormente se verificava de forma pontual, tem vindo a ocorrer com maior frequência e gravidade, afetando não só zonas tradicionalmente vulneráveis, como também regiões anteriormente menos expostas a este tipo de fenómenos. Em 2022, dados revelam que aproximadamente 34% da população da União Europeia e 40% da área total do território comunitário sofreram os efeitos de episódios sazonais de escassez hídrica. Este fenómeno atinge níveis particularmente elevados nas regiões do sul da Europa, onde, durante os meses de verão, cerca de 70% da população é afetada por limitações no acesso à água.
Perante esta realidade, o Parlamento Europeu defende a adoção de medidas concretas que promovam uma utilização mais eficiente da água em todos os setores. Entre as propostas apresentadas pelos eurodeputados destaca-se a definição de metas com caráter vinculativo que obriguem à implementação de melhorias na gestão da água, tanto na indústria como na agricultura e no uso doméstico. As medidas propostas visam incentivar a aplicação de boas práticas que favoreçam a preservação dos recursos hídricos, apostando simultaneamente em soluções tecnológicas avançadas. Entre estas incluem-se sistemas que permitam a reutilização de águas residuais devidamente tratadas, bem como mecanismos destinados à redução substancial das fontes de poluição que continuam a comprometer a qualidade e a disponibilidade da água na Europa.
A qualidade da água sob ameaça
A degradação da qualidade da água é identificada como uma das principais preocupações na agenda ambiental europeia, representando um desafio significativo para a proteção da saúde pública e dos ecossistemas aquáticos. A crescente presença de poluentes e a dificuldade em garantir padrões adequados de qualidade colocam em risco não só a biodiversidade, mas também o abastecimento de água segura às populações. Segundo dados divulgados pela Agência Europeia do Ambiente, apenas 37% das massas de água superficial avaliadas no espaço europeu atingiram, em 2021, um estado ecológico classificado como “bom” ou “muito bom”, revelando uma situação alarmante. No que diz respeito à qualidade química da água, os resultados são ainda mais preocupantes: apenas 29% das águas analisadas satisfizeram os critérios de referência definidos pela legislação da União Europeia, o que evidencia a presença persistente de substâncias nocivas no ambiente aquático.
Entre os poluentes identificados como mais problemáticos encontram-se os compostos químicos provenientes da indústria, os pesticidas utilizados na agricultura, os fertilizantes que se acumulam nos solos e cursos de água, os microplásticos resultantes da fragmentação de resíduos plásticos e as chamadas “substâncias químicas eternas”. Estes últimos são compostos com elevada estabilidade molecular, praticamente indestrutíveis no ambiente natural, acumulando-se nos organismos vivos e estando associados a efeitos adversos comprovados para a saúde humana, incluindo distúrbios hormonais e problemas de desenvolvimento.
Face a este cenário, o Parlamento Europeu propõe a implementação de medidas rigorosas com vista à proteção dos recursos hídricos e da saúde das populações. Entre as recomendações apresentadas pelos eurodeputados destaca-se a eliminação progressiva das substâncias mais perigosas presentes em diversos produtos de consumo, com especial enfoque naqueles que entram em contacto direto com a água ou são passíveis de contaminação dos cursos hídricos. É também sugerida a revisão e atualização dos limites legais permitidos para certos compostos na água destinada ao consumo humano, com base nos mais recentes avanços científicos e evidências toxicológicas. Estas ações pretendem reforçar o controlo da poluição, prevenir riscos sanitários e contribuir para a recuperação gradual da qualidade das massas de água em toda a União Europeia.
Alterações climáticas e impacto sobre os recursos hídricos
As alterações climáticas estão a agravar de forma significativa os problemas relacionados com a disponibilidade, qualidade e gestão da água na Europa. O aumento da temperatura média, a maior irregularidade na precipitação e a intensificação de fenómenos meteorológicos extremos estão a provocar impactos cada vez mais visíveis e preocupantes. Episódios como ondas de calor persistentes, secas prolongadas e inundações repentinas passaram a ocorrer com maior frequência e intensidade em várias regiões do continente, comprometendo não apenas o equilíbrio dos ecossistemas naturais, mas também a continuidade de diversas atividades económicas e o bem-estar das comunidades. A pressão sobre os recursos hídricos tende a aumentar, colocando em risco a sustentabilidade ambiental e a capacidade de resposta dos sistemas de abastecimento.
Com o objetivo de atenuar os efeitos da seca, os eurodeputados defendem um conjunto de medidas orientadas para uma utilização mais eficiente e responsável da água. Entre as soluções propostas está o reforço da reutilização de águas residuais devidamente tratadas, permitindo aliviar a pressão sobre as fontes naturais. É também sublinhada a importância de promover uma gestão racional da água em setores com elevado consumo, como a construção civil, a indústria e a agricultura, através da adoção de tecnologias de baixo consumo e boas práticas operacionais. Os investimentos em infraestruturas de armazenamento são apontados como essenciais para garantir reservas adequadas durante os períodos de maior escassez, assegurando a continuidade do fornecimento e a resiliência dos sistemas.
No que se refere à prevenção e controlo das cheias, o relatório destaca a importância de soluções que respeitem e tirem partido do funcionamento dos ecossistemas. As chamadas abordagens baseadas na natureza são apontadas como estratégicas, dando ênfase à recuperação e valorização de zonas húmidas, que atuam como esponjas naturais durante períodos de excesso de precipitação. A criação de espaços verdes com funções de retenção e proteção é igualmente recomendada, uma vez que contribui para a regulação dos caudais, a diminuição do risco de inundação em zonas urbanas e a melhoria da qualidade ambiental dos territórios. Estas medidas procuram conciliar a proteção dos recursos hídricos com a adaptação às alterações climáticas, promovendo soluções sustentáveis e duradouras.
Cooperação transfronteiriça na gestão da água
A gestão coordenada dos recursos hídricos que atravessam fronteiras nacionais dentro da União Europeia assume uma importância estratégica crescente, sendo considerada uma prioridade incontornável no contexto da resiliência ambiental e da segurança dos recursos naturais. Muitos rios, lagos e aquíferos presentes no território europeu estendem-se por mais do que um Estado-membro, o que implica a necessidade de um esforço concertado na sua utilização, proteção e monitorização. A natureza transfronteiriça destes cursos de água exige uma cooperação sólida, contínua e eficaz entre os países envolvidos, com vista a assegurar uma gestão integrada que tenha em conta os interesses partilhados, a sustentabilidade dos ecossistemas e a prevenção de conflitos futuros.
O Parlamento Europeu sublinha que a resiliência hídrica não pode ser alcançada de forma isolada por cada Estado, devendo ser encarada como uma responsabilidade comum ao nível europeu.
Para tal, defende a adoção de políticas públicas harmonizadas, baseadas em princípios de solidariedade e gestão partilhada dos riscos.
Esta abordagem conjunta deve traduzir-se num quadro de atuação coordenado, com mecanismos de planeamento e resposta que ultrapassem as fronteiras nacionais e reforcem a capacidade de adaptação das regiões mais vulneráveis.
Com esse propósito, os eurodeputados propõem a criação de um fundo específico no âmbito do próximo quadro financeiro plurianual da União Europeia, com início previsto para 2028. Este fundo terá como objetivo apoiar as zonas mais expostas aos impactos da escassez de água, assegurando os meios necessários para a implementação de medidas de adaptação, investimento em infraestruturas resilientes e promoção de soluções tecnológicas adequadas à realidade local. Trata-se de um instrumento financeiro que visa reforçar a coesão territorial e garantir uma resposta equitativa aos desafios hídricos, num espírito de partilha de responsabilidades e de compromisso com a sustentabilidade a longo prazo.
Inovação tecnológica como motor da sustentabilidade
A inovação tecnológica é apontada como um pilar estratégico na construção de um modelo sustentável de gestão da água. Os eurodeputados recomendam que a Comissão Europeia invista em ferramentas de inteligência artificial, sensores para monitorização em tempo real da qualidade e quantidade da água, sistemas de irrigação automatizada e tecnologias avançadas de tratamento de águas residuais.
Estas soluções permitirão otimizar o uso dos recursos hídricos, promover a reutilização da água e preparar os Estados-membros para responder de forma eficaz aos desafios ambientais e climáticos emergentes.
Conclusão
Com a aprovação deste relatório, o Parlamento Europeu demonstra a sua determinação em impulsionar uma resposta estruturada, coerente e abrangente face aos desafios cada vez mais complexos que afetam os recursos hídricos no espaço europeu. Trata-se de um posicionamento político que visa antecipar e mitigar os riscos associados à escassez, degradação da qualidade da água e vulnerabilidade dos ecossistemas aquáticos, que se têm vindo a intensificar em resultado das alterações climáticas, da sobreexploração e da poluição de origem múltipla. O relatório estabelece um conjunto de prioridades e orientações estratégicas que deverão servir de base para a construção de uma política hídrica europeia mais robusta, integrada e adaptada às exigências atuais.
A futura Estratégia Europeia de Resiliência Hídrica, cuja apresentação está prevista para breve por parte da Comissão Europeia, deverá traduzir-se num instrumento essencial para reforçar a capacidade de ação da União na proteção e gestão sustentável da água. Esta estratégia procurará garantir que todas as populações tenham acesso a água segura, em quantidade suficiente e com qualidade adequada, independentemente da sua localização geográfica. Paralelamente, deverá assegurar a preservação dos ecossistemas aquáticos, cuja saúde é indispensável para a manutenção da biodiversidade e do equilíbrio ambiental.
Num contexto marcado por crescentes pressões sobre os recursos naturais, a estratégia deverá também incentivar uma utilização mais eficiente e responsável da água, promovendo práticas que conciliem as necessidades económicas com a conservação ambiental. O objetivo central passa por preparar os Estados-membros para enfrentar, de forma coordenada e com base em evidência científica, os efeitos da crise climática sobre a água, contribuindo para a resiliência do território europeu e para o bem-estar das gerações presentes e futuras.